terça-feira, 23 de agosto de 2011

A Vela Que Se Apagou



Se meus olhos não suportam a luz,
É porque no escuro sempre viveram...
e a visão do caminho, que à ela conduz,
os deuses a eles, nunca concederam.

Lembro de uma vela ao lado da cama,
a qual nunca imaginei que fosse apagar.
O brilho da vela, era como de quem ama.
Quem a apagou, penso, queria me cegar.

O seu calor também aquecia minh'alma,
ainda que singela a chama parecesse...
enchia meu peito e meus olhos de calma,
embora eu nem sempre percebesse.

Há tempos estou aqui sozinho no escuro.
Coloco-me muitas vezes entre prantos...
e sei que nunca pedi por isso, eu juro.
Gritos e sussuros compõem meus cantos.

Sinto apenas que estou longe de casa...
criaturas da noite aproximam-se de mim.
Meu anjo foi embora num bater de asa,
não sei quem estará comigo perto do fim.

Não percebo sinais nem ouço tua voz...
não existe rebanho, nem o teu cajado,
apenas o eterno frio, meu cruel algoz.
Rezo e suplico, e tu permaneces calado.

Se eu tivesse forças, seria teu inimigo...
faria com que provasse o meu castigo.
Te traria comigo para meu quarto frio,
pois espaço sobra, nesse imenso vazio...

Hugo Roberto Bher
# O Poeta do Escuro

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Os Espelhos da Alma



A escuridão em seu quarto acusava alta madrugada, ainda longe de ser agraciada com a claridade dos raios solares da manhã.

Luiza sentou-se na cama, esfregando os olhos com as mãos, como se quisesse poder ver algo em meio ao breu.

Assim como a visão acostuma-se com o escuro, onde nossos olhos buscam resquícios de luz para poder adaptar-se ao ambiente, percebera que seu quarto estava um tanto quanto diferente de como se lembrava. Olhou para sua cama e viu seu corpo repousando no leito, percebendo logo, que aquilo tudo se tratara de um sonho.

Parecia mais uma experiência extracorpórea, um sonho que se aproximava tanto da realidade que se podia jurar realmente estar acontecendo. Já não era novidade para ela, uma garota um tanto quanto introspectiva, que dormia e acordava imersa em seus mais profundos anseios e angústias.

Resolveu não tentar dormir, em entregar-se àquela experiência.

Percebeu que no lugar dos seus móveis e afins, estavam vários espelhos de tamanho e formas variadas. Eram grandes, pequenos, belos e alguns assustadores.

Levantou-se da cama, e notou uma luminosidade indicando um dos espelhos dispostos, e caminhou em direção a ele.

Olhou para dentro daquilo que mais parecia um portal para outra dimensão, e percebeu a sua imagem, porém com um semblante muito mais sereno, com seu rosto mais belo e aspecto muito saudável.

Estranhou o fato do reflexo não mover-se exatamente como se movia, e assim como se começasse um diálogo de maneira tímida com alguém, perguntou:

- Quem tu és?

- Ora, não me reconheces? – respondeu de imediato o referido reflexo.

- Tu pareces comigo, mas sei que tu não és meu reflexo.

- Eu sou a tua fé, criança, sou parte tua, e tu és meu todo.

- Então, se és parte minha, que fazes tu, minha fé? – perguntou curiosa à imagem no espelho.

- Sou aquela que te dá forças, criança minha. Que te faz acreditar no que não podes ver, naquilo que ainda está aquém do teu entendimento.

- Estou no âmago do teu ser, bem no fundo dos teus olhos...vivo nos limites da tua alma.

- Que lindo! Eu nem imaginava ter algo vivo assim em mim. – suspirou maravilhada.

- Minha fé, tu ficarás sempre comigo?

- Filha minha, serei teus pés se cansares de andar. Carregarei-te em meus ombros se precisares, mas não olhai demais para outros espelhos que conhecerás em breve.

- Sou espada forjada no fogo dos céus para lutar contigo, mas depende de ti manter-me empunhada.

Vá agora, e guarda minhas palavras.

Luiza ensaiou alguns passos e parou em frente a outro espelho, com uma aparência um pouco mais antiga, de moldura envolvida por algo que parecia ser cera de velas já queimadas há muito tempo.

Olhou para uma imagem dela mesma encolhida no canto do espelho, com o rosto coberto pelas mãos.

Bateu com as pontas dos dedos no espelho, ao que o reflexo revelou sua face, assustando de certa maneira nossa protagonista.

Seu corpo era exatamente igual, mas sua face representava um profundo pavor, desespero. Como alguém que se esconde após presenciar algo terrivelmente assustador.

Luiza tomou coragem e encheu seus pulmões de ar. Postou-se ereta e começou a conversa, receosa com as possíveis reações daquele bizarro reflexo.

- Quem tu és?

- Fala baixo, que te digo quem sou. – respondeu quase sem voz o reflexo no espelho.

- Quem tu és? – Insistiu Luiza.

- Sou teu medo. Escondo-me dentro de ti.

- O que me fazes meu medo?

- Sussurro em teus ouvidos, e às vezes grito. Não reconheces minha voz?

- Sim meu medo. Agora lembro. Tu me fazes muitas vezes desistir de muitas coisas, e quando ignoro tua vez sinto que ando no escuro. Por que me fazes mal?

- Mal? Tu és filha minha, amada. Eu apenas cuido de ti.

- O mundo é cruel, meu amor, e apenas tento deixar-te perto de meus braços. Estou entre seus espelhos mais velhos, e estarei aqui quando muitos quebrarem, porque escondo-me sempre, fillha.

- Mas se eu te ouço demais, nenhum passo eu conseguirei dar em direção ao próximo espelho.

- Mesmo te amando tanto filha, em verdade digo-te que não me ouça sempre. Estarei sempre falando, mas prometo que gritarei somente quando estiveres arriscando-te demais.

- Ouça-me, mas eu entenderei se não me ouvires às vezes. Continuarei sempre te amando. – Disse o reflexo tornando a recolher-se em sua posição amedrontada e defensiva.

Vá, mas cuidado. CUIDADO.

Uma sensação de angústia ainda tomava conta da menina.

Por um momento pensou em correr para sua cama, para tentar acordar daquele estranho sonho.

Porém logo pensou que essa sensação seria influência do espelho onde habitava o seu medo, e olhando um pouco a frente, vislumbrou um reflexo que lhe chamava.

Este refletia sua imagem quase fiel, e movimenta-se rápido, como estivesse tomado por certa hiperatividade.

Curiosa e já familiarizada com aquela inusitada situação, posicionou-se exatamente em frente à moldura e perguntou:

- Quem tu és?

- Sou tudo aquilo de que precisas. Sou jovem e nada temo. Eis que sou tua Coragem minha pequena. – Respondeu a imagem entusiasmada.

- Como parece animada. O que fazes a mim, minha coragem? Indagou Luiza.

- Sou aquela que te empurra quando ouves teu medo. – Respondeu o reflexo, sorrindo.

- Reconheço tua voz, lembro-me de ouví-la em alguns momentos da minha vida.

- Sim. Por vezes tenho que gritar muito alto, para que minha voz vá mais longe que a voz do medo teu. Como grita aquela assustada criatura. – Disse expressando desdenho em sua face.

- Mas minha coragem, lembro-me de certa ocasião, onde eu estava prestes a atravessar uma ponte de madeira velha, e tu apenas dizia-me: Siga, Siga.

- Pensei estar ouvindo a voz de um demônio querendo que eu caísse de uma altura fatal.

- Nada disso minha pequena. Nada deves temer se estou contigo. Eu até te empurraria pela ponte se tivesse dado-me ouvidos.

Mas agora assusta-me tua palestra, pois nesta ocasião, quando decidi tomar o caminho mais longo desviando-me da ponte, uma outra criança resolveu atravessá-la e acabou sucumbindo aos braços da morte quando a ponte se desfez. – Inquiriu Luiza

O reflexo da coragem enrubesceu e aquietou-se com a narração de Luiza. Pôs-se em um canto da moldura e baixou a cabeça.

Apontou para a menina a próxima direção e disse:

Vá pequena. Estou contigo, sempre e sempre.

Voltando a empreender sua caminhada em meio aos espelhos, Luiza estava agora um tanto quanto confusa.

Estava ficando difícil entender a maneira correta de viver e enfrentar os caminhos que a vida lhe empunha, visto que possuía tantas facetas contraditórias dentro de si mesma.

Ficou intrigada ao ver um espelho coberto por dentro, com um pano escuro.

Aproximou-se e tocou o espelho com a ponta dos dedos, ao que uma voz, tímida e assustada gritou:

- Vá embora. Não há nada aqui para você.

Luiza insistiu e tornou a bater, e percebeu uma voz diferente dentro do mesmo espelho, que repetia baixinho:

- Vá menina, não há nada aqui para se ver.

- Mas eu insisto...quero apenas ver quem está aí. – Insistiu Luiza, continuando a bater, até que o pano que cobria o espelho internamente caiu, e revelou dois reflexos, abraçados. Um deles tinha um semblante que aparentava pânico, horror, ao que o outro olhava apenas para baixo, e nada falava.

- Quem sois, e por que estão assim, juntas?

- Eu sou tua Vergonha, e está que não quer falar é tua Covardia. Estamos juntas porque nos aceitamos, e não ameaçamos uma à outra.

- Mas parece-me tão triste, viverem assim.

- Não minha menina – disse a vergonha – Não precisamos nos expor se podemos ficar assim, escondidas do mundo. Nós sabemos do que somos capazes não é mesmo? Aqui dentro do meu mundo, posso fazer tanta coisa, sem que me critiquem. Assim vivo melhor.

- Queres dizer-me que preciso envergonhar-me de quem sou?

A covardia adianta-se e explica:

- Filha, olhe para você. Olhe para teu rosto belo e seu corpo frágil.

- Talvez tu não saibas quanto mal existe no mundo. Apenas não quero ver-te machucada...porque tu és minha filha.

Em trôpegos passos, com a cabeça baixa e um tanto aborrecida, a menina continuou rumo ao próximo espelho.

Viu uma moldura um tanto quanto diferente das outras, bem peculiar. Era envolvida em uma espécie de couro, e as laterais eram ostentadas por duas grandes espadas, que lembravam aquelas estórias medievais épicas.

Notou seu próprio reflexo movimentando-se com maestria, com vestimentas das antigas Amazonas, guerreiras que travavam batalhas e corriam sobre o lombo de cavalos.

- Quem tu és?

- Quando o vento bate forte, e queres te derrubar, estou contigo. – Repondeu o reflexo, imponente.

- Quando jogam-te pedras, querendo ferir-te, sou eu quem faz de pedra também teu peito, para que não caia minha guerreira, e se caso caíres, dar-te-ei o cabo da minha espada para levantar-te.

- Eu sou tua Força.

Os olhos de Luiza brilharam. Sentiu-se invencível neste momento.

- Então se estás comigo, nada preciso temer não é mesmo?

- Minha pequena guerreira, meus ancestrais derrubaram anjos e demônios. Minhas raízes estão entre os céus e a Terra. Derrubarei quem estiver em minha frente, se em mim acreditares, mas a escolhe sempre será tua, e não minha.

- Existem vasos que quando quebrados, não podem jamais ser consertados.

Pense Nisso.

Com uma postura mais ereta, Luiza seguia sua pequena grande jornada entre o ambiente repleto de espelhos.

O próximo espelho em seu caminho era deveras intrigante e assustador.

A moldura de madeira rústica, aparentemente sofria as ações do tempo; como se tivesse sido por muito tempo maltratado e desprezado.

Pelas ranhuras da moldura, corria um líquido vermelho viscoso. Sim era Sangue.

Luiza ficou com medo de olhar para o reflexo, mas já era tarde em frente ao espelho se punha a observar.

A imagem no espelho aparentava estar tão surrada quanto à moldura; magra e aborrecida, com todo seu corpo transparecendo enorme sofrimento.

Seus olhos também choravam sangue.

Suas mãos sangravam por entre os enormes calos que saltavam aos olhos.

Seus cabelos sujos e completamente emaranhados, em contraste com sua pele de coloração pálida fazia-a parecer ainda mais doente.

Luiza compadeceu-se do tal reflexo, que até tentou transpor o espelho para ajudá-la, ação que foi interrompida pela imagem, dizendo com voz doce:

- Afasta-te criança.

Surpresa nossa menina afastou-se alguns centímetros do espelho, questionando o reflexo.

- Por quê não desejas que ajude-te?

- Apenas não quero contaminar-te com minhas cicatrizes abertas, nem sujar teu belo vestido criança. – Respondeu a imagem, calma.

- Quem tu és? – perguntou a menina.

- Eu sou a tua Dor, criança.

Luiza calou-se por um tempo, como quem pensasse nas próximas palavras, e num ímpeto de raiva acusou:

- Por que vive em mim? Não quero algo assim dentro de mim. Não quero sentir dor nem ser como você.

A imagem no espelho pôs-se de joelhos, e dos seus olhos caíam mais lágrimas de sangue, e entre soluços de choro falou à menina:

- Vivo em ti minha filha, para tomar toda sua dor.

- Minha aparência terrível é por tantas dores que suportei até hoje...tomo para mim o que não posso suportar que sintas.

- Minhas lágrimas de sangue lavam o alívio depois das dores que tu sentes; choro as lágrimas de sofrimento para que não chorem os olhos teus.

- Apenas quando a dor é imensa, quando não posso suportar sozinha é que isso transparece no teu rosto.

- As minhas costas, filha, estão machucadas pelas pedras que eventualmente iriam à sua direção, mas peço perdão, meu amor, se alguma passar por meu corpo pequeno e ainda acerta-te, machucando teu coração.

- Se porventura eu gritar muito alto, procure ignorar-me, para que não sintas o que sinto.

Luiza comoveu-se tanto com as palavras da Dor, que pôs-se também a chorar; quando as mãos do reflexo transpassaram o espelho e seguraram suas mãos.

Logo a menina acalmou-se e a imagem no espelho, em pranto soluçante apontou à Luiza a direção dizendo:

Vá filha, TE AMO.

Um tanto desconcertada, Luiza continuou caminhando, olhando para os pés em passos lentos e curtos.

Começara a perceber sua vida sob o aspecto dos espelhos.

Pensou que ela era todo um universo dentro do mundo, e que todas as pessoas certamente tinham seus próprios espelhos, e que eram influenciadas por eles de maneira diferente.

Olhou em sua volta e sentou-se no chão, imersa em seus devaneios.

Começou a perceber uma música que vinha de um espelho logo a sua frente.

A música tocava em sua alma, e parecia arrepiar todo o seu corpo, provocando várias sensações ao mesmo tempo.

O espelho cujo qual era a origem da música, era de moldura branca, e dela emanava certa luz verde, como uma aura que envolvia todo o espelho, que era sem dúvida, o mais belo de todos.

Indo em direção a ele, passou em frente a um corredor muito escuro tomado por espelhos à sua volta, mas estava hipnotizada pela música e foi seguindo em frente.

Um dos espelhos negros gritava: - Eu ODEIO este lugar, ODEIO tudo e a todos...

Outro guardava um reflexo sentado em peças de ouro e coberto de jóias, que dizia: - Não se aproxime, isso é TUDO MEU...TUDO MEU.

Quando estava de frente ao espelho belo, com aura esverdeada, viu sua própria imagem um pouco mais velha, como se pudesse ver a si mesmo em alguns anos.

-Quem és tu? – perguntou.

- Sou aquela que fica, quando tudo se vai. Sou a personificação das virtudes e em tudo estou; dentro de você e a sua volta, anjo meu.

- Sou a mão que acalma-te quando és assolada pelo mais profundo desespero...

- Sou o anjo que aponta o caminho quando te sentes perdida; e quando tua alma sente frio, o calor dos céus sopro em teu rosto.

- Eu sou teu colo e teu seio e ainda estarei aqui pra te levar comigo, quando tudo mais deixar de existir para você.

- Eu sou a Esperança...

Lágrimas caíam neste momento dos olhos de Luiza.

- Nosso tempo está acabando e ainda existe alguém que precisas conhecer...

- Vá agora e quando voltar, não olhe para os espelhos negros atrás de você, porque estes tu ainda não estás preparada para conhecer.

E assim a Esperança virou-se de lado, dando passagem para Luiza, e logo em frente a alguns passos de distância, parou em frente de uma entidade de cores variadas, tantas quantas nem podia distinguir.

Sentiu uma paz imensa à medida que aproximava-se daquela forma de luz e cores.
Como a mais humilde das criaturas, Luiza dirigia-se ao ser tão belo a sua frente.

- Não sei o que devo perguntar.

E o ser com voz ecoante...

- Pergunte-me quem sou

- Quem tu és – perguntou Luiza.

- Sou tudo que mereces minha filha, se encontrares e seguires o teu caminho.

- Sou teus sonhos, tua felicidade, tua paz e tua plenitude e o amor em ti.

- Sou o abrigo do teu espírito, o manto da tua alma.

Luiza apenas conseguia chorar de emoção e nada conseguia falar.

Lentamente levantou e aproximou-se daquele que lhe falava, quando surpreende-se com a reação daquela pura forma de energia brilhante.

- Por quê não posso tocar-te? – Perguntou a menina.

- Ainda é cedo filha.

- Você recebeu um grande presente hoje, podendo conhecer alguns espelhos de sua alma, mas seu caminho ainda é longo, para que eu te deixe tocar-me.

- Eu não entendo.

- Basta que você reflita um pouco, e certamente precisarás ver seus espelhos muitas outras vezes antes de chegar até mim, mas agora te darei outro presente, que deverás levar sempre contigo.

O Ser de Luz dissolveu-se e em seu lugar estava um pequeno espelho.

Luiza apenas ouvia a voz que parecia estar em todos os lugares, e não mais via a entidade.

Por fim, a voz dizia:

Leve este presente contigo...

O que representa este presente?

Este é o espelho do DISCERNIMENTO, e há de tê-lo junto a ti quando novamente, encontrar-te com teus espelhos.

Aos poucos Luiza foi abrindo os olhos.

Olhou pela janela e percebeu que a noite toda havia passado.
Lembrava-se perfeitamente daquele sonho misterioso, e a partir daquele noite, sua vida mudara para sempre.

Hugo Roberto Bher.

#O Poeta do Escuro

P.S. Uma Agradecimento à Ana Luiza por várias conversas que inspiraram este texto.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011